sexta-feira, 3 de julho de 2015

ARNALDO ANTUNES

Com as poéticas híbridas aparece um novo dado para o universo das artes: a simultaneidade.  Este caráter de simultaneidade percorre toda a trajetória de Arnaldo Antunes, não só na poesia, mas também nas artes-plásticas e na música. Das obras de poesia do autor, o processo simultâneo pode ser encontrado praticamente em todos seus livros, e em maior grau no livro-cd 2 ou + corpos no mesmo espaço e no livro-vídeo-CD Nome. Nestas duas obras, o conceito de simultaneidade atinge toda sua plenitude, haja vista a presença de outras mídias além do livro, em um casamento perfeito entre texto, imagem e som.
A simultaneidade se dá dentro da poesia de Arnaldo Antunes de duas formas: dentro do espaço sintático e no terreno gráfico do poema. A simultaneidade no espaço sintático é um procedimento que foi se tornando recorrente na poesia de Antunes e consiste no corte de uma determinada palavra fazendo aparecer uma outra parte dela que se constitui uma outra palavra, como podemos averiguar, por exemplo, no poema solto:
(ANTUNES, 2005, p. 13) 

Este poema permite mais de uma leitura. Pode-se ler “solto do solo” ou ainda “sol todo solo”. Podemos observar o mesmo efeito no poema meu nome, também do livro 2 ou + corpos no mesmo espaço:

som que som
          e
                                quando soa



  - meu nom

                                          e   -


                                   não m

                                         e

                                     coa
                           
                             (ANTUNES, 2005, p. 14)

É visível a simultaneidade neste poema, principalmente nos últimos três versos, onde também podemos fazer duas leituras: “não me coa” e “não me ecoa”, além dos cortes nas palavras some e nome, transformando as letras eem conjunções aditivas.
Este procedimento contém a idéia do ideograma, em que as partes formam uma terceira coisa, preservando-se também enquanto informações autônomas. A técnica de corte de palavras pode ser encontrada principalmente na obra do americano e.e. cummings, cujos poemas tipográficos influenciaram os concretistas paulistas, e também Arnaldo Antunes, como podemos observar naquele que é considerado o mais perfeito poema cummingsiano:


l(a

le
af
fa
ll

s)
one
l

iness
           
                
(CUMMINGS, 1986, p. 32)

Este poema de e.e.cummings é feito de apenas uma palavra e uma frase:loneliness (solidão) e a leaf falls (uma folha cai). Em uma espécie de haicai tipográfico, o poeta soube como ninguém utilizar o recurso da simultaneidade para construir um poema ao mesmo tempo lírico e construtivista, desmontando mais uma vez a tese de que existem apenas dois tipos de poetas: os líricos, discursivos; e os formalistas, cerebrais, avessos ao lirismo.
A simultaneidade no campo sintático aparece também em outros livros do autor, como no último poema de As coisas, “o que (se) se foi é (s)ido”:

 O         que
                              (se)       foi
                       
                               é     (s)ido.

                              (ANTUNES, 2006, p. 113)

Este poema possui quatro diferentes possibilidades de leitura: “o que foi é ido”, “o que foi é sido”, “o que se foi é sido”, “o que se foi é ido”. Temos neste exemplo um jogo visual e sonoro com o vocábulo e a letra parentética, e com as conjugações do verbo “ir” e “ser”. Neste poema, Antunes nos mostra como em seus trabalhos as palavras também se tornam sinais visuais, existindo, em inúmeros casos, uma simultaneidade visual.
Já no terreno gráfico, a simultaneidade ocorre de forma mais explícita em vários trabalhos de Arnaldo Antunes, como no poema Derme/Verme do livroTudos.


                                        (ANTUNES, 2000)

Além do aspecto verbal construído a partir da paronomásia “derme / verme”, muitos outros pontos podem ser salientados nesta obra. Primeiramente, podemos notar que a palavra “derme” é repetida inúmeras vezes em diferentes formas de grafia manual, ao passo que a palavra “verme” aparece uma única vez, apresentada através de uma tipologia antiga, já com sinais de deterioração. É visível a referência que Antunes faz à decomposição do corpo humano após a morte e a relação com a mesma deterioração da linguagem em relação aos seus meios de produção e reprodução. Outro aspecto que podemos notar é que a letra “M”, da palavra “derme”, é o carimbo da palma da mão do poeta ampliado, e que a mesma não aparece na palavra “verme”, o que, além de apontar a ausência de algo, possibilita ainda a leitura do infinitivo “ver” e da conjunção “e”, unidos na expressão “ver e...”, que indica um gesto inconcluso.
A partir da análise deste poema, percebemos na poesia de Arnaldo Antunes um constante desejo de “enlouquecer o subjétil”, usando a expressão cunhada por Jaques Derrida em seu livro homônimo, em que o filósofo argelino analisa os desenhos do poeta e dramaturgo Antonin Artaud, que se constroem a partir de intervenções da escrita. O leitmotiv em ambos os poetas parece ser o mesmo: penetrar e subverter os suportes. É o que defende Derrida:
O subjétil, tela ou suporte da representação, deve ser atravessado pelo projétil. Deve-se passar abaixo dele que já se encontra em baixo. Seu corpo inerte não deve resistir demais. Se o fizer, deve ser maltratado, atacado violentamente (DERRIDA, 1998, p. 45).

Há, em vários poemas impressos em livro, uma preocupação de Arnaldo Antunes com a visualidade em movimento. Não podemos esquecer que esta atenção para o movimento já era uma marca da poesia concreta e principalmente do movimento capitaneado por Wlademir Dias-Pino, o poema processo. Em Arnaldo Antunes, as experiências com o poema processo e a visualidade em movimento atingem sua maturidade com dois projetos onde o fenômeno multimídia mais se faz presente: Nome 2 ou + corpos no mesmo espaço. 
No livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, Arnaldo Antunes dá movimento aos poemas através do som da voz. O poeta se propõe a fazer uma recuperação da performance da voz na poesia, buscando uma oralidade experimental semelhante às experiências desenvolvidas pelos dadaístas e futuristas russos.
É o que podemos encontrar, por exemplo, no poema agá:


                                     (ANTUNES, 2005, p.45)

                                                                                          Por: Lays Meire

                                                            



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